segunda-feira, 30 de março de 2009

A Torre de Belém e o Vale do Côa

Na espécie de florida guerra das laranjas actualmente em curso entre algumas das nossas elites culturais do litoral, fruto da ausência de uma clara política cultural do governo Sócrates, os involuntários opositores a um novíssimo Museu dos Coches vão invocando, a seu benefício e para contraditar a ideia de que este atrairia cerca de um milhão de visitantes/ano (!!), uma pretensa boutade que já começa a cansar. A de que alguém (quem? quando? e em que circunstâncias?) teria afirmado que o novo Museu do Côa (este ou o anterior?) atrairia mais visitantes do que os empurrados para a Torre de Belém. A este propósito, deixem-me recordar as páginas que o Público de ontem, 29 de Março, dedicou a este tema (gostei particularmente dos mais de 7 milhões/ano de pastéis vendidos em Belém!), classificado já como "o caso do ano na Cultura", e em particular as palavras de Raquel Ferreira, da empresa turística Cityrama, sobre o porquê de serem os Coches o museu português mais visitado: "Num circuito turístico, o tempo tem que ser todo contabilizado para as pessoas conhecerem o máximo no menor tempo possível. Os Coches vêem-se em relativamente pouco tempo..." Isto na gestão desta empresa do circuito turístico de Belém, que inclui os Coches, os Jerónimos, o Padrão dos Descobrimentos e a Torre de Belém. Tudo, evidentemente, em turismo de pacote, que parece ser o que hoje conta. E factura!
Ora, se por um lado não me recordo de alguém ter invocado tal paralelismo musculado entre o Côa e a Torre de Belém (a que propósito? e em que pacote?), por outro, tal comparação só se justificaria se também o Museu do Côa estivesse a ser erguido na zona de Belém e não num dos confins do Douro, num concelho deprimido e despovoado, longe dos pacotes turísticos da capital! Até não será mau de todo que o Côa possa entrar nestas guerras de números, mas seria aconselhável que o fosse por outras e melhores razões. E, já agora, que esse abstruso paralelismo possa ser ou melhor esclarecido, ou então corrigido por quem abusivamente assim o invoca. 

terça-feira, 17 de março de 2009

Subitamente... + Arte da Idade do Ferro no Sabor

Foto: AMB/Canon G10

O Vale do Sabor, que se saiba, não é um rio verdadeiramente rupestre. Como o são o Côa, o Tejo, o Douro. Mas a espaços surgem, ainda que não em grandes concentrações, painéis com exemplos de arte rupestre de vários períodos. Por isso, a sua prospecção exigiria cuidados especiais. Para que tudo fique convenientemente registado antes da grande inundação.
Como exemplo de alguns desses tipos variados de vestígios rupestres, aqui deixo um painel com gravuras (singelas) da Idade do Ferro, semelhante a muitas das gravuras incisas existentes na envolvente da Foz do Côa, com as quais este conjunto tem evidentes paralelos tecnomorfológicos. E como no Côa são aqui dominantes as representações esteticamente pouco elaboradas de equídeos. Incisões com pátinas aparentemente frescas. 
A arte da Idade do Ferro já era conhecida no Sabor, ainda que rara e em painéis esparsos. A primeira gravura deste período que aqui tínhamos identificado foi o mais esbelto cavalo da Fraga do Fojo num contexto com arte esquemática pintada, cronologicamente de um período anterior. Como o é o povoado que lhe está anexo.
 

Ai Sabor... Baixo Sabor

Hoje dei por mim a tentar antever como serão as nossas paisagens completamente domesticadas daqui por 500 anos! Esqueçamos as desgraças anunciadas do aquecimento global! E de uma antevisão de nova etapa glaciar! Estarão então ainda todos os rios calmos e anafados, golfados de águas lodosas e metros densos de sedimentos, rasgando campos incultos e atravessados por corredores de asfalto abandonados... Uma barragem num rio é como um trombo numa veia...
Passado o ciclo das barragens (com mais ou menos fusão a frio, que me dizem ser um mito da física!), levar-se-ão anos a limpar sedimentos e os rios rapidamente voltarão ao que eram. Mas até lá, as nossas gerações ainda terão de passar pela fase do trombo! Com mais ou menos demagogia política.

Peregrino hoje pelo Sabor, e como, para Yourcenar, "o tempo, esse grande escultor" obriga-me a olhar já para o vale como um náufrago anunciado, um náufrago do século XXI onde os homens do nosso tempo se encarniçam na instalação do trombo!
As explosões que a espaços atroam no vale assim mo recordam.
Com mais ou menos providências cautelares a barragem instala-se, a desmatação avança e a certeza sofrida de que uma ferida atroz rasgará inapelavelmente estas paisagens de maravilha é isso mesmo: uma certeza. Mas ainda há quem pode as oliveiras em campos que são já a imagem da desolação. Sobolo rio de águas calmas... 

Um brincalhão imitou (e muito bem, com linha da vida e tudo!) um veadinho calcolítico, que, ao contrário do imaginário pré-histórico, está assinado em rocha perto da curva do Aguilhão

Este equídeo semiesquemático é mesmo autêntico e fora já há anos identificado por uma equipa do Centro Nacional de Arte Rupestre. Lá se expõe na sua milenar pátina argêntea, perto do santuário de Santo Antão da Barca. Até que a massa líquida tome conta do acontecimento!

Assim como este veado picotado com lascagens tipo "bago de arroz" e, vandalizado vá lá saber-se por quem, e que já em tempos aqui apresentei em desenho e melhor foto:

Mas o Sabor, como que em morte anunciada, vai já poluído por descargas assassinas a montante:

e nada há que pague este vibrantemente poético fim de tarde:


pausa nas ruínas também elas anunciadas de Cilhades:



Fotos: AMB/Canon G10

segunda-feira, 16 de março de 2009

O Vale do Côa e as Misses da pré-história regional




Honrando o famoso Homem de Piscos, a imagem do antepassado primordial na qual todos os fozcoenses adoram rever-se, este ano o concurso de carros alegóricos da Festa das Amendoeiras e dos Patrimónios Mundiais teve um imaginativo e insuspeito vencedor: o carro das Misses da Pré-história. E com toda a justiça, se se atentar nas imagens que aqui apresento. Enroupadas em criações estilísticas seguindo à risca os modelos da equipa de arqueologia experimental do Parque Arqueológico do Vale do Côa, e convenientemente apresentadas pela retórica gestual e palavrosa de um rejuvenescido professor H.Saraiva ("Foi aqui nestas terras de Ribacôa que afinal começou Portugal..."), brindemos então às novas Misses da pré-história... Ou de como a brincar... a arte das origens está aqui cada vez mais presente.

O Paradigma Perdido. O Vale do Côa e a Arte Paleolítica de Ar Livre em Portugal

Depois de uma pré-apresentação a 20 de Fevereiro passado em Vila Nova de Foz Côa, coinaugurando a Festa das Amendoeiras e dos Patrimónios Mundiais, foi esta semana finalmente publicado, em edição bilingue (Português/Inglês) o meu último livro sobre o Vale do Côa e a Arte Paleolítica de Ar Livre em Portugal. 
Teve entretanto lançamentos informais na 4ª feira, 11, em Lisboa, na Associação dos Arqueólogos Portugueses (apresentado por João Zilhão) e na sexta, dia 13, no Museu Nogueira da Silva, em Braga, promovido pela Biblioteca Pública de Braga, aqui apresentado por Francisco Sande Lemos - a ambos agradeço.

Síntese discursiva e convenientemente ilustrada de um trabalho de 10 anos na arte da pré-história antiga (a "arte das origens") com a equipa que me acompanhou durante todo o tempo que militámos no Centro Nacional de Arte Rupestre.
Arte paleolítica de ar livre - um paradigma perdido e reencontrado da arqueologia europeia. 
E de que Portugal se orgulha de guardar o seu mais preciso conjunto monumental que é o Vale do Côa. 
Mas quanta desta nossa mais preciosa e arcaica arte rupestre espera ainda a sua revelação?