quinta-feira, 24 de julho de 2008

ATAPUERCA e VALE DO CÔA. Reflexões em tempo de mudança






À entrada das notáveis jazidas paleontológicas de Atapuerca, um cartaz com vários metros de altura sinaliza os diversos apoiantes e financiadores dos trabalhos arqueológicos e da arqueologia à escala industrial que aqui se desenrola. Ao alto os Fundadores, sob os nomes dos três actuais co-directores da Fundación Atapuerca (Arsuaga, Bermúdes e Eudald Carbonell, uma verdadeira estrela mediática). E onde, ao lado dos imprescindíveis Caja de Burgos e Diario de Burgos, se destacam a Iberdrola, a Fundación Eulen e a cervejeira San Miguel (é a única cerveja que se bebe em Atapuerca!, como me lembrava a encantadora Carmen Romero, proprietária da casa de turismo rural onde pernoitámos em Olmos de Atapuerca). Logo depois o patronato institucional, com a Junta de Castilla y León à cabeça... E por'i abaixo até aos simples "colaboradores tecnológicos e científicos". Tudo pontualizado com rigor e grande destaque e que dá bem a ideia do que é hoje a arqueologia num sítio em ebulição permanente, por sinal também ele Património da Humanidade desde o ano 2000. E que me (re)conduz ao Vale do Côa, PH desde Dezembro de 1998!

Um convite da Fundación Atapuerca levou-me, com Alexandra Lima e Jorge Sampaio, a cirandar três dias por estes lugares magníficos, guiados pela grande amabilidade e prazer de viver de Amalia Pérez-Juez. Laboram neste mês de Julho nos sítios de Atapuerca, o grande mês das escavações, cerca de 150 investigadores (e não apenas estudantes!). Foi até eles que levámos as novidades do Vale do Côa numa conferência que realizámos em Burgos num ameno fim de tarde da passada semana. E os paralelos entre a investigação e a gestão dos dois sítios Património da Humanidade não podem deixar de ser reflectidos. Sem entrar na história moderna de ambas as jazidas, basta lembrar que em Atapuerca foram até ao momento produzidos mais de 20 doutoramentos, os últimos três na Complutense de Madrid, como memora o nº 26 do "Diario de los Yacimientos de la Sierra de Atapuerca". 

Mas o que me importa agora deixar aqui nota, são os dois modelos de gestão e investigação de ambos os sítios. E não quero ser muito pessimista! Até porque a arqueologia portuguesa não entrou ainda na era "industrial" do tipo de arqueologia que se pratica em Atapuerca e que se vai afirmando um pouco por toda a Espanha. Com grandes apoios públicos mas muito mais privados. Fruto dos tempos e das autonomias, o passado é em Espanha uma grande fonte de riqueza ao mesmo tempo que motivo de orgulho dos seus povos, os melhores guardiões do seu património. Burgos, com três Patrimónios Mundiais (Atapuerca, mas também a Catedral e o seu notabilíssimo Museu, e os Caminhos de Santiago na região) recebe ± 6 milhões de visitantes/ano. Cerca de 100.000 visitam as jazidas paleontológicas de Atapuerca e muito mais a região, com temperaturas muito amenas no verão, fruto da altitude elevada.

No Vale do Côa, estupidamente, ainda se discute uma barragem!!! que tudo afogaria, tendo-se o Estado praticamente demitido nos últimos anos das suas responsabilidades de gestão, não nos deixando alternativas. Aliás, o mecenato em Portugal continua uma brincadeira de burgueses anafados e de jogos fiscais.

Não há em Atapuerca um grande museu, como o que se está a fazer no Vale do Côa. Mas o impacto dos sítios arqueológicos na região é enorme, conjugando um grande dinamismo científico com um turismo polifacetado nesta ampla região (sem praias!) do interior peninsular. Tudo servido por um grande mediatismo sem paralelo entre nós.

Portugal soube defender, e bem, os sítios do Vale do Côa, mas não soube criar até agora um modelo de gestão conveniente que os projectasse na materialidade (e mundos virtuais!) do século XXI. E o museu que agora estamos a criar não tem ainda sequer maduramente reflectido um modelo de gestão e de articulação com o PAVC e as forças regionais e nacionais que pense o dia seguinte à sua inauguração. 
Atapuerca e Vale do Côa, dois sítios da pré-história antiga com tanto em comum e com tanto a separá-los!

2 comentários:

Anónimo disse...

Portugal que produziu sumidades como Salazar que abafou o país por um século, como se vê, e produz sumidades como os MS Tavares que fazem opinião e discorrem sobre tudo, ainda demorará muito a sair desta "pré-história". Vão-se salvando gravadores e gravuras que, um dia, verão a luz do sol e ajudarão o país a sair da mediocridade contemporânea.
D.Damião

PF disse...

Quero acreditar que sim, que algum dia Portugal sairá da mediocridade, embora não esteja muito optimista. Não enquanto não melhoremos o sistema de ensino, não eduquemos as populações para a necessidade de defender o património cultural e natural entendidos como recurso económico e social de primeira ordem (uma educação ambiental na verdadeira acepção do termo), enfim, não enquanto a generalidade da população (incluindo as nossas supostas elites...) continue a ver o betão e o alcatrão como o único instrumento do desenvolvimento.

Por isso, dificilmente projectos como o de Atapuerca terão cabimento neste nosso país, pelo menos nos anos mais próximos (se bem que se vá tentando dar alguns [tímidos] passos no sentido de uma maior participação de entidades privadas no financiamento de projectos de investigação e valorização do património arqueológico, como parece ser o caso dos Perdigões). É mais importante encher os nossos montes de parques eólicos e os nossos rios de barragens, quaisquer que venham a ser os custos ambientais e patrimoniais que deixaremos em herança aos nossos filhos e netos.

Na verdade, pouco importa o futuro (isso será problema de outros) e estas coisas do ambiente e do património são temas para países ricos...